Perdoe-me, dona Marina, se nada a mais posso fazer.
Há certos momentos na vida em que você deseja ser útil, mas a situação se faz tão complicada que sua incapacidade logo alerta. É o alerta mais frustrante que há. Você analisa a situação, procura seus conhecimentos, sugestiona soluções, conquanto nada parece resolver.
Almejo a Geriatria desde que aprendi a cuidar do meu avô materno, uma vez que ele tivera de amputar uma perna. A Medicina exalava sua essência nas brincadeiras de criança e foi se tornando séria à medida que a criança que fui um dia ia expandindo sua mente. A brincadeira tornou-se sonho no primeiro vestibular. Não, não é isso que quero explanar.
Tenho uma vizinha idosa impossibilitada de andar devido a uma queda sofrida no banheiro de sua casa. Por diversas vezes que passo em frente à sua casa, vejo-a sentada, desconcertada, na sua grande cadeira confortável. Meu coração grita "fica só uns minutinhos com ela"; então, peço para entrar, dou um beijo em sua cabeça, sento no chão, seguro em sua mão e fico a conversar assuntos que, geralmente, não seriam do meu interesse. E, acredite, a conversa tem seus picos (e constância) de diversão. Estar ali com ela, na verdade, é a receita satisfeita para construir um momento eterno. Contudo, ouço as mesmas reclamações quaisquer vezes que eu entre em sua casa: "estou bem não, minha filha", "não posso andar", "preciso de todos para mover qualquer parte do meu corpo", "passo o dia aqui".
Almejo a Geriatria desde que aprendi a cuidar do meu avô materno, uma vez que ele tivera de amputar uma perna. A Medicina exalava sua essência nas brincadeiras de criança e foi se tornando séria à medida que a criança que fui um dia ia expandindo sua mente. A brincadeira tornou-se sonho no primeiro vestibular. Não, não é isso que quero explanar.
Tenho uma vizinha idosa impossibilitada de andar devido a uma queda sofrida no banheiro de sua casa. Por diversas vezes que passo em frente à sua casa, vejo-a sentada, desconcertada, na sua grande cadeira confortável. Meu coração grita "fica só uns minutinhos com ela"; então, peço para entrar, dou um beijo em sua cabeça, sento no chão, seguro em sua mão e fico a conversar assuntos que, geralmente, não seriam do meu interesse. E, acredite, a conversa tem seus picos (e constância) de diversão. Estar ali com ela, na verdade, é a receita satisfeita para construir um momento eterno. Contudo, ouço as mesmas reclamações quaisquer vezes que eu entre em sua casa: "estou bem não, minha filha", "não posso andar", "preciso de todos para mover qualquer parte do meu corpo", "passo o dia aqui".
Enxergo em seus olhos a dor de não suportar mais a vida, a súplica a Deus por descanso e, concomitantemente, sede de juventude para aproveitar, ao menos, a rua que ela não mais vislumbra como antes. E, como de praxe, explicito a frase "vamos agradecer por sua consciência, pois é bem pior quem está em coma e não pode, sequer, aproveitar o sol". Ela consente, mas a indignação em seus olhos dependentes e infantis é revelada quando vira sua cabeça. Digo "eu entendo o quanto a senhora sofre, dona Marina, mas só peço que tenha força e confie no conforto que Deus dará", mas sei que pouco resolve.
A Medicina, com todos os seus avanços, não é capaz de desvendar o mistério da vida e proporcionar alívio a pessoas que não suportam mais o peso de seu próprio corpo. Não há remédio contra o envelhecimento, contra o desgaste e morte das células. Tão inevitável quanto a vida é a morte, como disse sabiamente Charles Chaplin. E é nesse ponto que me acomete uma frustração.
Como é fácil fazer a dona Marina rir. É o único método de alívio que posso oferecê-la. O único. Minha mente trabalha rapidamente em assuntos que a faria rir, e obtenho êxito. Graças! Ver os lábios enrugados se abrirem numa movimentação fantástica de, aproximadamente, 73 músculos compensa qualquer decepção que surja por eu nada a mais poder fazer. Esta é a maior lição que carrego comigo: se a Ciência não resolve, o amor - o filantrópico - desvenda enigmas maiores sem precisar de entendimento. Afinal de contas, o que faz alguém rir quando sente dor? É a íntima vontade de viver bem. E dona Marina, aos quase 100 anos, ensina-me sobre o universo que vivo quando se faz recíproca com a intenção de minhas palavras. Tudo, na verdade, se completa de algum jeito.
A Medicina, com todos os seus avanços, não é capaz de desvendar o mistério da vida e proporcionar alívio a pessoas que não suportam mais o peso de seu próprio corpo. Não há remédio contra o envelhecimento, contra o desgaste e morte das células. Tão inevitável quanto a vida é a morte, como disse sabiamente Charles Chaplin. E é nesse ponto que me acomete uma frustração.
Como é fácil fazer a dona Marina rir. É o único método de alívio que posso oferecê-la. O único. Minha mente trabalha rapidamente em assuntos que a faria rir, e obtenho êxito. Graças! Ver os lábios enrugados se abrirem numa movimentação fantástica de, aproximadamente, 73 músculos compensa qualquer decepção que surja por eu nada a mais poder fazer. Esta é a maior lição que carrego comigo: se a Ciência não resolve, o amor - o filantrópico - desvenda enigmas maiores sem precisar de entendimento. Afinal de contas, o que faz alguém rir quando sente dor? É a íntima vontade de viver bem. E dona Marina, aos quase 100 anos, ensina-me sobre o universo que vivo quando se faz recíproca com a intenção de minhas palavras. Tudo, na verdade, se completa de algum jeito.
23 de dezembro de 2010
Dona Marina deu seu último adeus no dia 20 de fevereiro de 2011, enquanto estava, mais uma vez, hospitalizada. Hoje, meses após a sua morte, insisto em refazer tal homenagem a uma senhora linda, amável e meiga, a qual me proporcionou a felicidade de sentir um pouco da minha avó materna - falecida há 12 anos - em minha adolescência, justamente por tanto se parecerem.
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