30 de maio de 2011

Attraversiamo

Por vezes, o ato de viver não me traz muito júbilo. Há uma pressão psico-fisiológica tão grande para realizar ações básicas, que eu me sinto confinada em uma sala estranha, pouco ventilada, pouco iluminada e com uma prova decisiva para os próximos dias bem à minha frente. É preciso respondê-la logo, pois o tempo se dissipa, e eu serei julgada pelas respostas que escolhi. Claustrofobia da vida.
Lembro-me da infância e deparo-me com a maior saudade que eu já pude ter: a despreocupação. Tinha dias tranquilos, conseguia administrar meus horários, não me cansava de estudar e não sofria por situações clichês da vida - mudanças, pseudoamores, falta de amigos. O único momento em que precisava pensar e agir como uma adulta era quando meus pais manifestavam de modo grosseiro a instabilidade do relacionamento deles. Clichê também. Quantos pais não brigaram? E eu dava continuidade aos meus dias confortáveis.
Os anos passam em um único sentido, atravessando seu corpo e deixando marcas: adolescência, puberdade, por exemplo. Ah! Se fossem apenas estas marcas! Mas certas madames agem como penetras na vida e, na maior ousadia, revelam não ter convites para participarem de sua história, ainda que estejam com carimbos em mãos destinados a você. Conheço bem duas delas: a morte é sorrateira e a depressão é lascívia. Nessa linha repleta de adjacentes ou afluentes, outros se sucedem. Contudo, ninguém suspeita da união de dois ou mais substantivos femininos - e/ou masculinos - que, quando surgem, mais parecem concretos do que abstratos. E por mais que você compreenda que eles precisam atuar na sua memória, eles machucam. São desesperados por dor. 
Se seus avós mais próximos e seu irmão se calam quando deveriam, ao menos, dizer adeus, a morte se justifica. Haja choro para atingi-la. Mas ela é inocente por o que fez. E a vida não pode ser culpada por ter um fim,  pois nada dura para sempre. O tempo, face na água, anda, corre, voa. Quando menos se espera, dói o fato de quatro ou treze anos terem passado. Choro, chora, choro, chora. A dor não passa; machuca mais. É a depressão. Ah, danada! Como é docemente tentador o masoquismo de quem se acostuma com a tristeza de ser infeliz. Eu não sei como ela vai embora, mas vai, pois precisa obedecer à lei do universo: a não duração da vida como um todo. E por que haveria de ser eterno, se há uma vastidão? Por que encontrar alguma forma de prisão para uma vida que tem necessidade de conhecimento e liberdade? Vamos praticar o desapego dos bons e maus sentimentos! (Ai, como gosto do Fernando Anitelli!)
A vida prossegue em sua trajetória ou deslocamento, como preferir, fisicamente falando.  A adolescência é só mais uma fase: hormônios, transformações, descobertas. É natural que eu me sinta frágil por amar. É inteligível que eu me apaixone novamente. É permitido que eu me perdoe e perdoe a vida por suas mudanças. É adaptável que as dores sejam, mais à frente, suportáveis. É preferível que eu aprenda com minhas experiências, uma vez que virá uma nova fase - a adulta - e sinto que terei de enxergar a vida com olhos de intensa responsabilidade. Claro que eu hei de ser uma criança para buscar o equilíbrio. E se eu me desequilibrar para o lado infantil, poderei rir. Quem disse que uma balança está com suas bandejas em um plano retilíneo? Incline um pouco a cabeça e verá que estão tortas. Depende do referencial. Ó, referencial, sou grata por tua capacidade de destruir privilégios e criar aceitações para diferenças!
Se a vida é um rio, temos de caminhar em todas as direções a fim de testar os caminhos e nossas resistências. Ou simplesmente atravessá-lo. Dentro de cada pessoa há um universo, então, infinito por ser, haverá outros rios. Uma vida em várias. Um rio após o outro. Attraversiamo.

*Inspiração, de alguma forma, advinda do texto "Final infeliz", postado pelo Luiz Felipe.

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