7 de novembro de 2013

Cão da vida

Estou  silenciosa. Meio torpe, diria. Como se tivesse perdido a sequência dos atos entre os dias, de modo a não aceitar a realidade. Afinal, eu preciso acompanhar a vida para que ela me faça sentido, não é? Mas a vida é um eterno "não me importo com o que você quer". Ela acontece: por vezes suave, e tantas outras vezes tenaz e incendiária.
Há uma falha no entendimento para o vazio daquele espaço próximo à parede da lavanderia. Não há cor negra - tão linda, tão perceptível entre as demais -, não há cheiro amigo, tampouco um olhar sedento de amor. Há o nada sangrando. Sangue incolor transbordando pelos portões - quase involuntários - da alma e na vontade de fugir da circunstância. 
O grito se contém mediante a falta de oportunidade para a despedida. Muito pior: a falta de escolha para o que se sucedeu. Levaram-no feito anjo - anjo negro de amizade - para o sono mais profundo, atenuante de toda dor em seu universo físico. Levaram junto meu universo emocional. Injetaram uma solução apaziguadora numa história de mais de uma década. Mas eu não suportaria mais enxergar seu olhar de tristeza, que se elevava apenas para dizer "eu ouvi sua voz e sei que está aqui".
[...]

Eu não sei o que acabou. Há uma luz incomensuravelmente vívida do Beethoven dentro de mim. Ela perpassa todas as sensações que ele me proporcionou. Invade nosso Khef de ele ter vindo para mim. E de mim nunca sairá.
O Beethoven não tem fim. Um cachorro que supera a rejeição para se encontrar no meu âmago de amor não pode se esvair na ausência física de um latido, de uma lambida, de um rabo balançando, de uma ânsia para ir passear, de um pedido eterno por carinho. Não mesmo! Nossas almas se encontraram quando acertei seu nome, quando inventei uma entonação que ele reconheceria a metros de distância e ficaria feliz por ouvir.
[...]

O problema é que hoje eu me sinto só. E amanhã muito mais. Porque eu nunca amei um animal como o Beethoven. Conquanto, o que me importa é compreender que o "niêgo de mãe" (sim, eu falei enquanto escrevia) não partiu ontem; ele concedeu infinitude existencial à minha história. Vive para sempre. Um sempre bem diferente desses que os humanos costumam usar por aí.
O Beethoven é atemporal.

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